Cortejo do 2 de Julho remonta passagem do Exército Libertador e passou por alterações desde 1824

 

O trajeto feito a pé para o desfile da Independência do Brasil na Bahia ocorre entre o Largo da Lapinha até a Praça do Campo Grande, abrangendo cerca de 5 km de extensão. O percurso é conhecido de cor por boa parte dos baianos e entusiastas da festa. Entretanto, o que muitos não sabem é como e por que a rota passou a ser utilizada para o cortejo cívico-popular.

Antes de tudo, é bom deixar claro que o caminho do préstito que se realiza nos tempos atuais não era o mesmo feito a partir de 2 de Julho de 1824, quando as celebrações tiveram início. A manifestação remonta a entrada do Exército Libertador brasileiro em Salvador – episódio que ocorreu na mesma data do ano anterior – após uma série de conflitos que culminaram na saída definitiva de tropas portuguesas na então província da Bahia.

À época, o Pavilhão da Lapinha, a Avenida Sete de Setembro e o monumento ao 2 de Julho no Campo Grande, por exemplo, sequer existiam. “O percurso mudou, e muito. Não era isso que é hoje. Ele começou menor, saindo da Lapinha, que era entrada da cidade pela Estrada das Boiadas, até o Largo Terreiro de Jesus, o centro vivo da cidade naquele tempo”, diz o historiador Jaime Nascimento.

Sendo uma das principais praças, era lá que a cerimônia católica do 2 de Julho acontecia. Ali também estavam localizadas a Faculdade de Medicina e, até 1921, a sede do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), de onde, neste dia, os acadêmicos discursavam.

Salvador já era uma metrópole e possuía fazendas ao redor, como no Cabula e Brotas, mas o grosso da produção agrícola e pecuária vinha do Recôncavo e de Capuame – hoje município de Dias d’Ávila – onde havia feira de gado. Neste cenário, a Estrada das Boiadas era a responsável por ligar o sertão à cidade, sendo rota fundamental de abastecimento.

A mesma via também passava pelas proximidades de Pirajá e chegou a ser bloqueada neste trecho, em 1822, pelas tropas brasileiras, estratégia que impactou na falta de alimentos para os portugueses baseados na capital. “A partir da vitória dos baianos, a tropa brasileira adentrou por este caminho, saindo da guerra maltrapilhos e com fome”, esclarece o professor de história da Bahia Murilo Mello.

A Estrada das Boiadas, ou pelo menos um trecho dela, se tornou ainda em 1823 o que é hoje a Estrada da Liberdade ou Rua Lima e Silva (comandante que conduziu o exército libertador ao triunfo). O logradouro é a principal base de tráfego do bairro da Liberdade e dá acesso ao ponto de partida do cortejo da Independência do Brasil na Bahia, no Pavilhão da Lapinha.

E Pirajá? – Em 1854, Pirajá, um dos palcos mais sangrentos da guerra, chegou a ser incluído como rota de uma romaria idealizada por Francisco Alvares dos Santos, professor catedrático da Faculdade de Medicina. A iniciativa ocorreu no ano seguinte à colocação dos restos mortais do general Pedro Labatut na Igreja de São Bartolomeu de Pirajá. O oficial francês foi contratado pelo governo de D. Pedro I para chefiar as lutas contra a ocupação portuguesa na Bahia, sendo um dos principais personagens na Batalha de Pirajá.

De acordo com a historiadora Wlamyra Ribeiro de Albuquerque no livro Algazarras na Ruas – Comemorações da Independência na Bahia (1889-1923), apesar do empenho, “a distância devia ser um bom motivo para que os apelos dos organizadores não fossem ouvidos pelos populares, pois, na época, Pirajá ficava nos arredores remotos da cidade. Mas a falta de um sentido popular para a romaria talvez seja a principal justificativa: ainda que algumas quadrinhas patrióticas cantadas na festa do dia 2 de julho fizessem referências a Labatut, o reconhecimento dele como herói nunca foi uma unanimidade na Bahia. Os populares pareciam atribuir a vitória de 1823 muito mais aos caboclos baianos do que ao militar francês”.

Rota ampliada – Desde os primeiros anos, as comemorações da Independência do Brasil na Bahia eram compartilhadas por diversos segmentos da sociedade. Ainda hoje, a festa é palco para manifestações políticas e de civismo impregnado de referências culturais. É a partir de 1895 que o percurso do cortejo cívico passa a ser estendido até o Largo Dois de Julho, conhecido popularmente como Praça do Campo Grande, com a instalação de um imponente monumento comemorativo aos feitos heroicos dos brasileiros em 1822-23.

“Em meados do século 19, aquela região era o lixão de Salvador. Fizeram toda uma urbanização daquela área e decidiram prestar uma grande homenagem à independência mandando trazer da Europa uma obra de ferro fundido. Este era o segundo monumento porque o primeiro é o Chafariz da Cabocla, que já esteve em vários lugares de Salvador e hoje está na frente do Quartel do Comando Geral Polícia Militar no Largo dos Aflitos”, conta Jaime Nascimento.

O Campo Grande se transforma, portanto, numa região nobre, abrigando moradores que ostentavam uma satisfatória situação financeira na Bahia. O colossal monumento de estética neoclássica colocado lá foi criado na Itália pelo artista italiano Carlo Nicoli y Manfredini e alcança altura de 25,86 metros.

No topo, chama atenção o principal personagem da composição: um caboclo com 4,1 metros de altura, munido com arco e flecha e armado com uma lança, matando um dragão, que representa a tirania portuguesa. Para ser erguido ao local, a peça artística desembarcou no Porto de Salvador e subiu a Ladeira da Montanha em carro de boi.

O cortejo cívico que passou a ficar mais extenso em 1895 também possuía roteiro diferente do que é realizado hoje devido ao traçado urbano da época. Os desfiles que antes tinham ponto final no Terreiro de Jesus se ampliam pela Praça Municipal, descendo a Ladeira da Praça e passando pela Praça dos Veteranos (defronte ao quartel do Corpo de Bombeiros da Baixa dos Sapateiros), adentrando a Rua do Gravatá antes de subir a Ladeira da Independência.

Logo depois, o itinerário abrangia o que é hoje a Avenida Joana Angélica, passando exatamente ao lado do Convento Nossa Senhora da Conceição da Lapa. Foi lá que, em fevereiro de 1822, tropas lusitanas invadiram o local em buscas de oficiais brasileiros escondidos, bem como armas e munições, assassinando a abadessa que dá nome à via que margeia o recinto religioso.

O cortejo rumava, por fim, até a Rua Direita da Piedade a caminho do Campo Grande. Somente com a inauguração da Avenida Sete de Setembro, em 1916, é que o desfile ganhou os contornos atuais, encurtando a rota de ligação entre o Campo Grande e o Centro Histórico.

Reportagem: Thiago Souza / Secom PMS

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